segunda-feira, 15 de junho de 2009

Caminhos soberanos do Irã


Fonte:http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=57894
O CONTEÚDO ANTIIMPERIALISTA DA REELEIÇÃO NO IRÃ
O Holocausto perpetrado pelo nazismo assassinou milhões de judeus e é um fato histórico incontestável. E os gays têm o mesmo direito de todos os seres humanos de fazerem amor como melhor entenderem. Dito isto, a acorrência maciça dos 46 milhões de eleitores iranianos às urnas nesta sexta-feira (12), e a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad com dois terços dos votos, a julgar pelas parciais, é uma vitória não do conservadorismo, mas de um profundo, entranhado e justo sentimento antiimperialista do povo trabalhador do Irã.
Por Bernardo Joffily

A oposição descrita pela mídia ocidental, entre ''conservadores'' e ''reformistas'' existe no Irã. Assim como existem os contrastes entre a fé islâmica mantida intacta no vasto interior do país e as tendências seculares da metrópole que é Teerã (14 milhões de habitantes em um total de 70 milhões). Estas variáveis levaram o grosso da esquerda iraniana a apoiar ''qualquer um menos Ahmadinejad''. O ''qualquer um'', no caso, resultou ser Mir Hussein Moussavi.

Porém o Irã profundo compareceu em massa às urnas nesta sexta-feira. O comparecimento foi sem precedentes, perto de 80%. E isto ao fim de uma campanha também inédita por sua animação, com os candidatos debatendo ao vivo na TV e as campanhas saindo às ruas com energia antes desconhecida.

Deu uma conservadora reeleição a Ahmadinejad: 66,0% dos votos, a julgar pela última parcial, com 68% das urnas apuradas (Bem distinta do resultado de quatro anos atrás, em que o atual presidente chegou em segundo lugar nas urnas, com apenas 19% dos votos, e só venceu no segundo turno). É curioso que o resultado desminta tudo que nos escreveram e nos disseram todos aqueles corresponentes e enviados especiais da mídia ocidental.

Menos adjetivos, mais substantivos

Governou beneficiado pelo boom dos preços do petróleo. Usou o dinheiro do óleo para subsidiar alimentos e programas de construção de moradias. Num país desértico e semiárido, pobre em rios, fomentou um programa energético nuclear, o que levou-o à colisão com os Estados Unidos e Aiea (Agência Internacional de Energia Atômica) sob pressão destes. É um crítico implacável de Israel, a quem acusou de racista, com abundância de argumentos, numa recente conferência da ONU que Washington boicotou.

Greve:História das sujeiras dos E.U.A no Irã

É nessa trajetória que se deve buscar os votos de Ahmadinejad. É a trajetória de um lutador antiimperialista, em uma nação ciosa de sua civilização multimilenar e ardentemente patriótica. Patriotismo que foi posto à prova mais de uma vez em sua história recente.

Em 1953 o primeiro ministro Mohammed Mossadegh, que nacionalizara o petróleo iraniano, foi derrubado em um golpe onde todos viram a mão do imperialismo americano. Na semana passada, em seu discurso no Cairo, o presidente Barack Obama admitiu a intervenção, em um mea culpa inédito.
Seguiu-se a fase mais abertamente tirânica da dinastia Pahlevi, sempre com apoio de Washington. Em 1979 triunfou a revolução, explicitamente antiimperialista e contra a vontade da Casa Branca. Seguiu-se a crise do cerco à embaixada, em 1980-81, que os EUA tentaram tratar por meio de uma incursão militar, desbaratada por uma providencial tempestade de areia. A essa altura, o Iraque já iniciara a guerra em busca de territórios do Irã, com armas fornecidas pelos EUA.

O Teste do discurso de Obama

Foi este o país que votou na sexta-feira. Preferiu reeleger seu presidente, e não seu desafiante, Moussavi, que acusava a política externa em vigor de excessivamente antiamericana. Preferiu-o porque não aceita voltar aos tempos dos Pahlevi. Preferiu-o por antiimperialismo.

Pode-se acusar o antiimperialismo de Ahmadinejad de tosco. Sempre que a religião se intromete na política, a política se abastarda. Mas como qualificar o imperialismo do fundamentalista religioso George W. Bush, que dizia ''conversar com Deus'' e, por ordem deste, inscreveu o Irã no ''Eixo do Mal'' e cercou-o com guerras de agressão, a leste, no Afeganistão, e a oeste, no Iraque?

Obama deu a entender no Cairo que esse tempo passou. Diz que não ficará ''preso ao passado'' e quer ''seguir em frente'' e ''construir o futuro'' nas relações com o Irã, ''sem condições prévias e com base no respeito mútuo''.

Pois bem, o futuro, até 2013, é com o presidente reeleito Mahmoud Ahmadinejad. É o primeiro teste do discurso do Cairo. Os próximos passos dirão até que ponto o que foi dito no Cairo é para valer e até que ponto são apenas palavras. Conceda-se às palavras de Obama o benefício da dúvida. Mas, diante do histórico sintetizado acima, é compreensível que o Irã não comece por baixar a guarda. Manter a guarda erguida foi o que ele fez nas urnas desta sexta-feira.

Nenhum comentário: